Esse domingo, meio que sob pressão, aceitei o convite de um amigo para acompanhá-lo na sua segunda sessão de Jogos Vorazes: Em Chamas. Confesso que um dos preconceitos que eu ainda tenho, mas estou lutando pra extinguir, é o elitismo, e não tem coisa que me repele mais do que um filme ou livro que cai no gosto da esmagadora maioria da população. A crença geral é que se a grande massa gosta, não pode ser boa coisa. Não me orgulho de concordar com isso, mas é importante deixar claro pra ilustrar o quanto eu não estava nem um pouco interessado na última sensação literária e cinematográfica dos jovens.
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Dito isso, fomos eu,
esse amigo e outra amiga assistir o bendito filme. Sobre ele, confesso que
gostei. Me venceu pelo cansaço e, ainda essa semana, pretendo começar a ler os
livros. Mas foi outra coisa que me deixou pensativo.
A construção dos
personagens.
É raro e muito
interessante ver uma personagem feminina, protagonista, forte e independente. Não
sou nenhum expert em análise de narrativa (quem sabe no futuro), mas apesar de
leigo, deu pra perceber que Katniss, a personagem principal, não precisa ser
salva por nenhum dos personagens masculinos em nenhum momento. Pelo contrário,
ela constantemente salva Peeta e – ao lado dele – se apresenta como a
personagem responsável por guiar os acontecimentos, dar ritmo a trama, enfrentar
e vencer os desafios, proteger os personagens mais fracos. Peeta, por sua vez,
é o lado tímido da narrativa, que precisa ser guiado, forçado para fora de seu
torpor para perceber que precisa agir por conta própria. Ele não possui características
físicas marcantes, tampouco intelectuais. Para todos os efeitos e fins, ele é
um sujeito sem graça, que não fosse por Katniss teria morrido na primeira meia
hora dentro da arena.
Mais uma vez, não li os
livros, logo essa é uma análise bem superficial. A família de Katniss é
composta exclusivamente por mulheres. Sua mãe, muito afetada pela morte do
marido em um acidente, não consegue cuidar das filhas e sobra para Kat assumir
a responsabilidade. Seu melhor amigo e paixonite aguda, Gale, é o perfeito estereótipo
de galã e tinha tudo para ser o salvador, que cuida de Kat e de sua família,
mas não é esse o caso. Em todos os momentos ele é apresentado em pé de
igualdade com ela, como auxílio, nunca como príncipe do cavalo branco.
Depois que Kat deixa a
família para participar dos Jogos, a irmã mais nova amadurece e igualmente
assume as responsabilidades que antes eram da mais velha, mostrando que ela
também é perfeitamente capaz de se virar no mundo caótico em que vivem. Existem
vários detalhes, também, como o fato de Peeta ser padeiro/confeiteiro,
profissão comumente tida como delicada e não muito “máscula”. Enfim, entre os
personagens principais fica muito claro que existem aqueles que sabem se cuidar
e aqueles que precisam de ajuda e, na história, isso não tem nada a ver com o
gênero.
Monomito
O Monomito, ou Jornada do Herói, foi um padrão encontrado pelo antropólogo Joseph Campbell na maioria
dos mitos e histórias de heróis, sejam elas antigas ou contemporâneas. Ele diz
que, como regra geral, as histórias de heróis seguem sempre a mesma linha e
servem para enaltecer o protagonista e suas características. Por muitos anos, esse
padrão foi utilizado exclusivamente com personagens masculinos. Apenas homens
eram vistos como adequados para seguir a Jornada do Herói e a recompensa máxima
era o amor da mocinha no fim da história. Mais machista que isso, impossível.
Justamente por isso é
bacana observar filmes e livros voltados para o público infanto-juvenil, como Jogos
Vorazes, que encaixam perfeitamente bem uma heróina dentro da Jornada do Herói.
Katniss, aliás, é essa
jovem decidida e guerreira, mas também é vulnerável, tem medo, sofre com
pesadelos depois dos jogos e busca em Peeta o mesmo consolo que ele busca nela.
A personagem consegue balancear os dois lados, sem ser a donzela em perigo, mas
também sem pender para o lado kicking ass
and taking names, como se fosse impossível ser uma heróina lutadora e delicada,
ao mesmo tempo.
Acho que isso se
enquadra bem no que a Natalie Portman disse, recentemente, em entrevista a umarevista americana. Segundo a atriz, transformar as personagens femininas de
Hollywood de donzelas indefesas à guerreiras assassinas não tem nada de
libertador ou feminista. É só mais um tipo de opressão.
Por enquanto, o filme
passa pelo menos pelo Bechdel Test. E olha que isso já é um grande feito.
Benedito. Gostaria de reproduzir este texto "A jornada da heróina" no endereço . http://revistapittacos.org/ . E gostaria de conversar sobre outras republicações. Gostei muito dos textos que li neste blog. Se incomoda de conversarmos? meu contato é rodrigomudesto@yahoo.com.br ou https://www.facebook.com/rmudesto
ResponderExcluirOi, Rodrigo! Incômodo nenhum, fico, aliás, muito honrado e feliz com o convite. Já te adicionei no Facebook para trocarmos uma ideia. No meio tempo, fique à vontade para reproduzir o que mais te agradar. Abraços.
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